G. K. Chesterton

Eu estou aqui tentando descrever certas grandiosas emoções que não podem ser descritas. E a mais forte emoção era que a vida era tão preciosa quão enigmática. Era um êxtase, porque era uma aventura; era uma aventura, porque era uma oportunidade. A bondade dos contos de fadas não era afetada pelo fato de que pudesse haver mais dragões do que princesas; o que era bom era estar num conto de fadas. O teste de toda a felicidade é a gratidão; e eu me sinto grato, embora tenha certa dificuldade em saber a quem.

(...)

Havia então esses dois sentimentos primeiros, ambos indefensáveis e indiscutíveis. O mundo era um espanto, mas não era meramente espantoso; a existência era uma surpresa, mas uma agradável surpresa. De fato, todas as minhas opiniões primeiras eram expressas na forma de um enigma que me martelava o cérebro desde a meninice. A pergunta era: “Que disse a primeira rã?” E a resposta: “Senhor, como me fizeste saltar!” Isto sucintamente diz tudo o que venho dizendo. Deus fez a rã saltar; e a rã prefere saltar. Mas, uma vez que essas coisas estão postas, entra em cena o segundo grande princípio da filosofia das fadas.

Qualquer pessoa pode conhecer esse princípio; basta abrir e ler os Contos de Fadas de Grimm, ou as belas coleções de Andrew Lang. Pelo prazer do pedantismo, eu o chamarei Doutrina da Alegria Condicional. Touchstone falou da muita virtude que há num “se”; de acordo com a ética dos elfos, toda a virtude está num “se”. A característica da linguagem das fadas é sempre esta: “Tu poderás viver num palácio de ouro e safiras, se não pronunciares a palavra ‘vaca’.” Ou: “Poderás viver feliz com a filha do Rei, se não lhe mostrares uma cebola.” A promessa subordina-se sempre a um veto. Todas as vertiginosas e colossais coisas concedidas dependem de uma pequena coisa recusada. Todas as fantásticas e assombrosas coisas que nos são ofertadas dependem de uma coisa que nos é proibida.

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Num conto de fadas há uma incompreensível felicidade que depende de uma incompreensível condição. Uma caixa é aberta, e todos os males saem voando. Uma palavra é esquecida, e cidades desaparecem. Uma lâmpada é acesa, e o amor voa para longe. Uma flor é arrancada, e vidas humanas perecem. Uma maçã é comida, e esvai-se a esperança em Deus.

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Todas as princesas podem viver em casas de vidro, desde que não atirem pedras. Esse leve resplendor de vidro por toda a parte é a expressão do fato de que a felicidade é radiante mas frágil, como essa substância tão facilmente estraçalhada por uma criada ou por um gato. E esse sentimento característico dos contos de fadas calou fundo em mim e tornou-se o meu sentimento em relação ao mundo. Eu sentia e sinto que a própria vida é brilhante como o diamante, e quebradiça como uma vidraça; e, quando o céu era comparado a um terrível cristal, posso lembrar-me de um sobressalto. Eu tinha medo de que Deus derrubasse o cosmo com um estrondo.

Lembremo-nos porém de que ser quebrável não é o mesmo que ser perecível. Golpeie um vidro, e ele não durará um instante; não o toques simplesmente, e durará mil anos. Assim era, parecia-me, a alegria humana, tanto no país das fadas quanto na terra; a felicidade dependia de NÃO FAZER ALGUMA COISA que em qualquer momento poderia ser feita, e muitas vezes não era óbvio por que ela não deveria ser feita. Ora, o ponto aqui é que para MIM isto não soava injusto. Se o terceiro filho do moleiro dissesse à fada: “Explica-me por que eu não posso ficar de cabeça para baixo no palácio encantado”, ela poderia muito bem responder: “Bem, se vamos a isso, explica-me tu o palácio encantado.” Se Cinderela diz: “Como se justifica que eu tenha de sair do baile à meia-noite?”, a sua madrinha poderá responder: “Como se justifica que possas estar lá até à meia-noite?” Se eu deixo a um homem em testamento dez elefantes falantes e cem cavalos alados, ele não poderá queixar-se caso as condições participem da delicada excentricidade do presente. A um cavalo alado não se olham os dentes. E parecia-me que a existência era em si mesma um legado demasiado excêntrico para que eu me queixasse de não compreender os limites da visão, quando afinal de contas não compreendia a visão que eles limitavam. A moldura não era menos estranha que o quadro. O veto podia ser tão fantástico quanto a visão; podia ser tão surpreendente quanto o sol, tão esquivo quanto as águas, tão fantástico e terrível quanto as mais altas árvores.

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Pois o universo é uma jóia única, e, embora seja natural falar que uma jóia é incomparável e inestimável, em relação a essa jóia isto é literalmente verdadeiro. Este cosmo efetivamente não tem comparação nem preço, pois não pode haver outro igual.

Em A Ética do País das Fadas.

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Recomendado por Márcio Almeida Junior - obrigada, foi exatamente o que eu precisava ler.

Não coloco mais 'pedacinhos' porque acabaria colocando o texto inteirinho aqui :)

Comentários

Fico feliz que você tenha gostado do texto. Também postei trechos dele no meu blog, a propósito de uma idéia: o ser humano tem dois lados, que são o do da (a ciência, a exatidão, o raciocínio) e o da noite (a poesia, a arte, o devaneio). Precisamos de ambos para viver bem.
Novamente, dou os parabéns pelo blog. Suas idéias são muito interessantes.
Em tempo: sou apaixonado pela obra de Oscar Wilde.

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