Luiz Vilela

Na terceira noite, domingo, o mesmo bar e os mesmos amigos e as mesmas conversas e bebidas, ele, num momento de quase convulsivo tédio ("isso mesmo", se diria depois, "convulsivo tédio"), lembrou-se de Zoiúda, isolando-se por alguns minutos do ambiente ao redor, um leve sorriso lhe aflorando aos lábios. "O que foi?", perguntou a amiga que estava a seu lado, na mesa. "Estou me lembrando da Zoiúda", ele respondeu. "Aquela dos nossos tempos de faculdade?", perguntou a amiga. "Não", ele disse, "é outra; essa eu acho que nem chegou a prestar o vestibular...".

"Zoiúda, Zoiudinha", disse em voz alta, depois de entrar em casa e acender a luz. Como em quase todas as noites, foi direto à cozinha. Mas... Zoiúda não estava lá. Não estava. Ficou meio decepcionado. Tinha certeza que... Chamou-a, uma vez, duas, três, esperando que ela, ouvindo sua voz, aparecesse, vinda lá de fora, da área ou até do paredão do prédio; mas ela não apareceu.

"Essas mulheres... A gente não pode mesmo confiar..." Aliás aquela, ele pensou, não só mulher não era, como talvez nem fêmea fosse, pois lera uma vez que nas espécies animais o macho quase sempre tem a cabeça maior; além disso, a cauda... A cauda, a cabeça e tinha

(...)
À noite, naquela plena segunda-feira, ele não saiu, substituindo o bar pela TV — a mesmice pela idiotice, pensou. Sentou-se só de short (era outubro, um calorão danado), acomodou-se na poltrona da sala, pegou o controle remoto e ligou a televisão. Algum tempo depois, ao sentir sede, foi até a cozinha e... "Zoiúda!", exclamou, com a alegria de um menino, "você está aí!...". Estava; ali estava ela de novo, próximo à talha, e, como sempre, permaneceu impassível — ou lá dentro, àquela hora, o minúsculo coração também estaria batendo um pouquinho mais forte?...

O certo é que, entre aparições e desaparições, entre o atento silêncio dela e as peremptórias declarações dele — "Zoiúda, tirando minha mãe, você é a única criatura que eu amo hoje no mundo" —, Zoiúda passou a ser para ele uma... uma espécie de companhia. Afinal, num apartamento onde havia somente ele de gente e onde, por dificuldade em criá-los, não havia cachorro, gato ou passarinho, ela era uma presença, um ser vivo a quem ele podia dirigir a palavra, embora não houvesse resposta — mas para que resposta? Não queria resposta. Queria apenas falar. Apenas isso. "Né, Zoiúda?”

E assim, como nas histórias antigas, foram se passando os dias. Até que, tendo de fazer uma viagem e se ausentar por uma semana, ao voltar, ele não viu mais Zoiúda. Partira para outras bandas? Morrera? Ele não sabia. O fato é que não a viu mais, em nenhuma noite.
Sentiu falta dela? Imagine; imagine um homem sentir falta de uma lagartixa... Claro que ele não sentiu. Mas sentiu — tinha de admitir — que aquele apartamento ficara um pouco mais vazio e aqueles fins-de-noite um pouco mais tristes.


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texto na íntegra aqui.

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